Em uma cidade onde o trânsito é cada vez mais intenso
até para quem vai dar uma volta no parque, os skatistas não ficam para trás. Da
canaleta ao fim da ladeira, Curitiba reserva um visual único.
Por Matheus
Gasparin
Parece
que os curitibanos só têm duas opções de lazer no final de semana. Quando
chove, escolhem ir ao shopping, enfrentar filas para estacionar, comprar e
gastar. Mas dias de sol confirmam a bipolaridade da capital. É quando as
pessoas resolve que o capitalismo não está com nada, e parques como o São
Lourenço ou Barigiui são refúgios que exigem horas de locomoção para se chegar.
Mas entre os mais de 3 milhões de habitantes, Curitiba tem mostrado que os
pneus dos carros não são os únicos que se amontoam de quatro em quatro pela
cidade. Mais barulhentas, de diversas cores, formatos e materiais, também
marcam presença as rodinhas dos skates. Um levantamento feito pela Federação de
Skate do Paraná indica que existam de 60 a 80 mil praticantes do esporte na
cidade. Livres do caos, os skatistas remam contra a maré do trânsito em busca
de também garantirem seu lugar ao sol.
Praça do Japão/Foto: Matheus Gasparin |
Poucas
das 27 pistas públicas passam por manutenção da Prefeitura. Uma delas pode ser
encontrada no próprio Parque São Lourenço, que abriga a principal pista para
aqueles que curtem descer ladeira. Mas não é necessário ir aos grandes parques
para notar que o esporte, criado na Califórnia nos anos 1940 e 1950, já fixou
sua cultura por aqui. Quem passa pelo bairro São Francisco para curtir o clima
otimista na Sorveteria do Gaúcho, vê que os skatistas dominam o pico. Logo em
frente à sorveteria, na Praça do Redentor, a então batizada de Pista do Gaúcho
também tem seu trânsito. A mais antiga pista de skate da cidade foi fundada em
1978 e se tornou berço de vários skatistas profissionais. “Comecei a andar de
skate com o Ferrugem, o Daniel Vieira, a galera das antigas”, conta o arquiteto
Augusto Bruel, de 28 anos, que há 15 frequenta o local. Vieira e Ferrugem,
curitibanos, são hoje profissionais reconhecidos internacionalmente. “Aprender
a andar ao lado de grandes nomes foi louco. Sempre vendo os caras decolando.
Sempre tentando imitar, se quebrando”, disse, rindo. O arquiteto realmente se
viciou no skate por causa do Gaúcho. Quando jovem, estudava próximo à pista.
“Sexta-feira era o dia de matar aula, de se divertir mesmo. Até hoje encontro
conhecidos. E toda semana, quase todo domingo a noite, eu estou por lá”.
Crianças,
jovens e adultos, mulheres ou homens, são vistos se amontoando nas bordas da
pista e na “teta” - um morro de cimento que lembra o formato de um seio. Percy
Junior, de 23 anos, anda de skate desde os nove. Para ele, o Gaúhco o ajudou a
evoluir no esporte. “A vantagem da pista é pegar base de equilíbrio e
transições. Isso ajuda no seu próprio rolê”, comenta.
No
Barigui, a busca pelo sol acontece no final do dia. A skatista profissional
Helo Ferreira, de 20 anos, explica porque o pico do “cotovelo” vale a pena. “No
cotovelo tem um pôr do sol único. Todo mundo fica até o fim do rolê e no fim da
ladeira o sol se põe. É incrível”. Outro local que Helo gosta de andar é na
bowl – um tipo de pista côncava – próxima ao São Lourenço. Apesar de ser um
lugar privado, a skatista conta que vale a pena pagar R$ 5. “A vibe que o local
proporciona e o pôr do sol que rola lá é demais”.
Além
das pistas, a arquitetura urbana de Curitiba propicia um arriscado passeio no
asfalto. “Tec, tec, tec” é o barulho que se ouve cada vez que um ônibus
biarticulado passa pela canaleta da Praça do Japão. Chamado de “casquilhada”, é
o barulho do acrílico ou do poliuretano das luvas de longboard que, ao baterem,
funcionam como uma buzina para os skatistas. Douglas Bertoldi, de 22 anos,
começou a usar o skate como meio de transporte. “Eu pegava o long [ou
longboard; skate de formato mais longo] e andava pela canaleta, ia para todo
lugar. Quando cheguei na praça, curti a descidinha e comecei a vir mais. Foi
ali que comecei a dar slides [manobra onde o skate desliza de lado]”, conta. O
visual e a localização incentivaram um grupo de skatistas a adotarem o local.
“O mais legal é que ninguém se conhecia ali. A maioria do pessoal chegava
sozinho, dava rolê sozinho e depois se juntou ao grupo. Tinha gente que não se
gostava e acabou virando amigo, tudo por causa do long”. Hoje a comunidade
existe até no Facebook, e reúne 79 membros. Diariamente é possível ver
postagens do tipo: “Onde vai ser o rolê hoje? Japão?”, ou “Vou dar um rolê
amanhã a tarde no barigua! To indo sozinha, alguém desempregado é afim?”.
Atleta X: Helo Ferreira/Foto: Matheus Gasparin/Praça do Japão |
Bertoldi
admite que o local é perigoso. “Os ônibus descem muito rápido, mas quem é
acostumado a andar na canaleta tem que aprender a olhar toda hora, não descer
enquanto ta vindo ônibus, acima de tudo ficar bem atento. A gente até aconselha
o pessoal a não ficar ouvindo música no fone de ouvido para poder ouvir o
ônibus vindo”. O pessoal da praça não perde o rolê nem na chuva. Para eles, a
combinação água e asfalto só traz mais diversão. “Muda tudo com o asfalto
molhado. O controle que você tem no seco some com a água”, explica. Mas a
brincadeira tem sua desvantagem. “Eu, por exemplo, não curto andar na chuva.
Exige uma manutenção no long depois da água que dá trabalho”, afirma.
Popularização
Em
2000, dados do Instituto de Pesquisa Datafolha apontavam que a comunidade de
skatistas no Brasil quase se igualava ao número de habitantes em Curitiba,
passando da marca de 2 milhões e 700 mil praticantes. Segundo a revista 100%
Skate, em 2007 o país tinha mais de mil pistas de skate – um aumento de 116% em
relação a 2003.
Em
2012, foi justamente Curitiba a cidade que abrigou o maior evento de
comemoração ao dia do skate no Brasil. Estima-se que mais de 15 mil adeptos
estiveram presentes na passeata que saiu da Praça 29 de Março até a Praça Nossa
Senhora da Salete, em frente ao Palácio Iguaçu, no dia 17 de junho. Com apoio
da Prefeitura, foram realizados shows de artistas locais e duas pistas foram
montadas. Para o presidente da Federação de Skate do Paraná, Adalto Elias Pereira,
o skate só perde para o futebol no número de praticantes, não só em Curitiba,
mas em todo o estado. “É um esporte popular, que as Associações [de Skatistas]
desenvolvem em cada bairro. O skate é praticado cada vez mais pelas classes
baixas. Há um aumento considerável de praticantes a cada ano”, disse.
Go Skate Day 2012/ Foto: Matheus Gasparin |
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